quinta-feira, 4 de outubro de 2012

RAIMUNDO CORREIA: POEMA


(Goya)
 
 
TEMOR
 
Esses momentos breves
De ventura, e em que um raio doce aclara
Um trecho à tua tenebrosa vida:
Saboreá-los deves,
Esses momentos de fugaz ventura.
– Esta é como esquisita fruta rara,
Por muito rara, muito apetecida;
Fruta, cujo sainete pouco dura,
Saboreada com vagar, embora;
Deleita o gosto, assim saboreada,
Porém, sofregamente devorada,
Mata às vezes o louco que a devora!
Que o teu lábio sorria
Enquanto a dor sopita não desperta,
Nem vem do íntimo gozo que cala
Discreto e receoso,
Nenhum rumor alegre despertá-la.
Como um vinho acre-doce, da alegria
Ao saibo às vezes mescla-se o amargoso
De uma tristeza incerta
E vaga... Aos tristes disfarçá-las custa;
Pois, por um só prazer, mesquinho e raro,
A desventura cobra-se tão caro,
Que aos tristes o menor prazer assusta!


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