(Iberê Camargo)
APOCALIPSE (2)
1
Nos tempos em
que eu transformava pães em pedras
o sol mergulhava
na matéria
e produzia
ferimentos em meu coração
Vãos eram os
pensamentos palavras e obras
e minha alma
inconsolado deserto: covil de cactos
constelação de escorpiões
Época de as
serpentes trocarem as peles
e a vaidade
eclipsar as cores do camaleão
O amor se
transformou em cólera
a paz em campos
de concentração
A humildade
vestiu o manto do orgulho
a aparência triunfou
sobre a essência
a fé foi
derrotada pela tentação
2
Quando aprendi a
transformar pedras em pães
o sol ergueu-se
da imersão na matéria
e proclamou a
temporada da transfiguração
Nova fonte de
luz jorrou em meu espírito
e veio ter
comigo o anjo da alegria
Rosas brotaram
das chagas do coração
Desde então
tenho colhido safra de milagres
e os gafanhotos
foram expulsos das plantações
A serpente foi
vencida pela pomba
o egoísmo tornou-se
confraternização
o prazer buscou
o sentido da vida
a morte
transformou-se em vida eterna
a glória da vida
vencera a tentação
3
Bem sei
que pães
alimentam
e pedras
apedrejam
Mas sei também
que pedras podem
alimentar
e pães apedrejar
(Ó granito da
vida
quando te
dissolverás?)
Humilde ao raiar
do dia
quedo-me
contrito ao divino alquimista
que transmuta a
pedra dos meus sofrimentos
no pão de sua
perfeição
Eu só vivo
porque Ele morre
Eu sou o forno
Ele é a
quinta-essência
Ele é a luz
eterna
Eu sou o trigo
Eu sou a gota de
sangue
Ele é o coração
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