domingo, 21 de agosto de 2011

GUILHERME DE ALMEIDA: POEMA






Esta vida


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.


Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa;
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida


Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.


Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!


Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.

3 comentários:

  1. Tem um poeminha do Guilherme que eu gosto muito:

    Quem deu de beber
    à rosa no vaso?
    Não pode ela, acaso,
    gostar de morrer?

    bjs

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  2. A consciência da vida se dilata diariamente. E se expande muito mais que a ideia de finitude, de morte.
    Partir e chegar ao esquecimento. Que seja amando uma bela mulher. Cumplices na loucura e no embate louco com nossas incertezas e hipocrisias.
    Gostei muito do pequeno poema citado pela SÔNIA Brandão.
    Abraço,

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  3. Talvez o problema da morte seja para o homem o fruto de uma falsa perspectiva, o que faz desse fenômeno um dos grandes sofismas de sua existência. O único e verdadeiro problema talvez consista na própria vida. O que devemos fazer da vida que temos por viver? Poucos possuem a percepção da diferença entre existir e viver. Uma mesa, um copo, uma arma existem. O homem existe, e a partir de sua existência manifesta-se a possibilidade de viver, ou seja, a vida não é uma conseqüência direta da existência. Há um interstício entre essas duas dimensões; abismo intercalado entre uma ‘coisa’ e a ‘ vida’.

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