sábado, 23 de maio de 2009

Entrevista com o poeta Ruy Espinheira Filho



1 – Como ocorreu seu contato inicial com a poesia?

R – Na mais remota infância que posso recordar. Na verdade, a infância já é poesia mesmo.

2 – Como é seu procedimento ao escrever um poema?

R – O poema pode vir de qualquer maneira, a qualquer momento – surgindo inicialmente pelo fim, pelo meio, de forma segura ou extremamente vaga. Como não sei quando virá, escrevo-o da maneira que posso – num caderno, numa folha solta, num guardanapo, onde der.

3 – O que é poesia para Ruy Espinheira Filho?

R – Há incontáveis definições da Poesia e nenhuma é suficiente. Direi que para mim poesia é vida.

4 – Como você vê o atual panorama da poesia brasileira contemporânea? Quais poetas você destacaria?

R – Como em todas as épocas, há bons e maus poetas. Admiro vários e detesto outros tantos. Mas não vou citar nomes. A quem quiser saber mesmo a quantas anda a poesia brasileira, aconselho a leitura de Uma história da poesia brasileira, de Alexei Bueno (ed. G. Ermakoff).

5 – Como você vê a relação entre a tradição e os movimentos de vanguarda no âmbito da poesia? Existe uma tradição perene na poesia?

R – O que chamamos de tradição é a rica herança que recebemos, não somos nada sem ela. Mesmo as vanguardas, que se lançam contra a tradição, fazem parte dela. Aliás, muito daquilo chamado de vanguarda é pura bobagem, como no caso do concretismo, que não produziu nenhum poeta digno deste nome. Manuel Bandeira dizia que o mais que podemos fazer é dar nossa contribuição à tradição. E assim é: recebemos a herança e juntamos a ela nossa própria criação. Gosto muito de uma frase de Eugenio d´Ors: “Tudo que não é tradição é plágio.” Pode parecer um paradoxo, mas para mim nada tem de paradoxal.



6 – Você é um poeta de uma região de grande manifestação poética, o grande Nordeste. Como você vê a relação da poesia nordestina com outras regiões do Brasil?

R – O Nordeste é mesmo um grande produtor de poesia. Tirante certo tipo de poesia regionalista, creio que a relação da poesia nordestina com as outras é tranqüila, todo mundo fazendo poesia moderna, hoje. Digo moderna, não pós-moderna. Penso que essa história de pós-modernidade é só falta do que fazer. Mais uma moda. Recorda-me o Fukuyama anunciando o fim da História... Pelo que tenho observado, ao menos em literatura, o pós-moderno não é mais que um “argumento” para justificar o que não presta. Se um poema, ou um conto, ou um romance, é bobo demais, ou fundamente grosseiro e idiota, certos críticos o “explicam” em nome da pós-modernidade... Já vi esse filme – e é péssimo.




POEMAS DE RUY ESPINHEIRA FILHO


DESCOBERTA

Só depois percebemos
o mais azul do azul,
olhando, ao fim da tarde,
as cinzas do céu extinto.

Só depois é que amamos
a quem tanto amávamos;
e o braço se estende, e a mão
aperta dedos de ar.

Só depois aprendemos
a trilhar o labirinto;
mas como acordar os passos
nos pés há muito dormidos?

Só depois é que sabemos
lidar com o que lidávamos.
E meditamos sobre esta
inútil descoberta

enquanto, lentamente,
da cumeeira carcomida
desce uma poeira fina
e nos sufoca.


O ROSTO NA CHUVA

Esse rosto na chuva
te olha.
É uma chuva longa, uma
de muitos anos e viagens
correndo por esse rosto.

Densa como sangue, chove.
No rosto, outros rostos
cintilam,
gotas esparsas.
Assim casas, cidades, nomes,
animais,
marés do peito abismo.

Esse rosto na chuva
te reflete
com o que a vinda,
vida,
te doou e às vezes inscreveu
tão fundo que lá não desces.

Esse rosto
na chuva que circula
em tuas veias
te punge com mil irresgatáveis
e
áspero cresce
sob a pele suave do teu rosto.


PÊNDULO

Do amplo quintal
onde corríamos
árvores
se enraízam
em nosso peito.

Também dos olhos
nos brotam flores
remotas
pétalas
ilusinógenas.

Como contar
o vento nos
teus cabelos
certos
pássaros e insetos?

(Algo quebrou-se
no carrossel
e saltamos
no ar
para onde só
esperamos:
ontem,
outra vez, um dia.)


OS BENS MAIORES

O que ficou
além do enlace
é o que mais foi
preso pelo gesto.

O que não foi
tocado é o que
deixou sua marca
mais nítida na mão.

A gaiola vazia
é onde habita
o que há de mais belo
em gorjeio e pássaro.


REVELAÇÃO

Só o passado que
aguarda no futuro
revelará a limpidez
maior desta tarde.

Ai que somos felizes
agora
mas não tanto
como amanhã, no passado.


MANE, TECEL, FARES

Nosso banquete não sacia.
Comi o tempo inutilmente
e inutilmente é a única
palavra do epitáfio.

Mais pesada do que a terra
é a espessa pátina de tantos
desejos e outros venenos
que aqui jazem para sempre.

Sobre o peito, sobre o nada
se entrecruzam meus dedos
nus e quebrados por sonhos
cheios de anéis.


RESTO

Como me lembrarás
quando eu partir?
Tenho tantas coisas
e tão pessoais
que não sei dizer
o que desse tanto
malfeliz ou grato
permanecerá.

Talvez fique antiga
oferta de flores
amores-perfeitos
idas margaridas.
Ou somente o jeito
de quando eu passo
pelas ruas longas
que tanto me gastam
sapatos e tudo
muito mesmo tudo.

Com o que de mim
te aquecerás
cada noite funda
cada mágoa vinda?
Ah bem que talvez
nada eu te mereça
de memória saudade.
Nem é impossível
que somente reste
insistência ao frio
no teu coração
desagradecido
e apenas fiel
ao que foi em nós
imperfeito amor.

O POEMA

O poema não
se dá, disperso
no vale,
em setembro, outrora.

O poema se dilui
na brisa, nos
olhos que se voltam
para longe, outro rumo.

O poema se esvai
nos passos que apartam
os que se sentavam
nesta pedra, há pouco,

tecendo um encontro
com extremos cuidados,
lua a lua, flor
a flor, corpo a corpo.

O poema se perde
entre troncos e copas,
estrelas, sóis, êxtases,
remorsos.

Na verdade, nunca
chegou a haver o
poema: apenas
o ingente desejo
de que venha e devore,
neutralize num
canto, essa matéria
decomposta de vida.

Um comentário:

  1. Poeta Ruy Espinheira,
    Muito bom a troca na arte entre cidades, Estados e o mundo que existe em nós. O imaginário poético surge e a poesia (re)nasce.
    Gostei do que li.
    Grande abraço,
    Regina Lyra

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